Chovia. Um ventinho frio me levou a fechar as janelas. O idoso costuma sentir mais frio. Meu pai, nordestino, já com mais idade, vivia muito agasalhado aqui no Rio durante o inverno. Chamava atenção na rua: cachecol, camisa de lã, luvas … O rosto quase encoberto pelo cachecol. Lá ia ele, com a cara meio sofrida já bem conhecida no bairro . Está sentindo tanto frio assim? lhe perguntou certo dia um vizinho. Claro, lhe respondeu, isto aqui é uma Noruega. Por que não fica em casa então? Preciso exercitar as pernas. Na rua é que vejo gente. Para mim, gente é fundamental. Sabe, tentando descobrir o outro. Quem vai ali? Um exercício nada fácil , mas que me atrai .Um homem com suas esquisitices .
Com um casaco pesado, pus-me naquele dia a olhar a rua de uma das janelas Quase deserta. Habitualmente bem movimentada. Guardas-chuvas abertos.Apenas uma garoazinha, mas persistente. Hoje, não dá mesmo para sair, concluí. Caminhar com uma bengala e com um guarda-chuva me bate insegurança. Já passei por isso. Situações bem aflitivas vivi, me desequilibrando. E, por umas três vezes, tombei na calçada escorregadia , sem conseqüência maior, felizmente.
Ando com certa preguiça para ler e escrever Não tenho fôlego, por exemplo, para ler um romance mais robusto de autor não conhecido. Releio, é verdade, poemas guardados na memória e no coração. Ah, a poesia. Sem ela…Tão bom quando se faz companheira em nossas viagens, mesmo momentâneas , tomadas pela angústia.
Está ficando difícil me ocupar em casa. Leitura do jornal logo que acordo, futebol na TV ( que saudades do Maraca!), computador aberto à procura de novidades dos meus interesses.
Sentado numa poltrona da sala, me flagro de repente olhando para uma linda árvore da Felicidade, perto de uma janela. Deus meu, como ela está linda! Veio há um bom tempo, bem pequeninha, aqui para casa. Hoje, bem cuidada ,quase dois metros de altura! Firme, altiva a dominar a sala. Me desculpe , me dirigindo a ela , quase não tenho dado atenção a você. Não liga não, tenho meu tempo todo tomado com o trabalho aqui em casa. Estudo muito, sou professor, como deve saber: preparo de aulas, correção de trabalhos escolares …
Quando paro, eu sei, devia me entregar mais às belezas, como a que você ostenta aqui no meu ninho, que me acolhe dia e noite. Deter–me ante quadros , tantos outros objetos. Por que não valorizar mais tais passeios pela casa? Afinal, cada objeto, além de seu valor estético, tem uma história. Este castiçal, herdei-o dos meus avós maternos; os pratos pintados à mão,ganhei-os de uma tia; o relógio de parede foi adquirido numa viagem venturosa ao Ceará, terra do meu pai…Tanta beleza espalhada pela casa. Assim, minha Felicidade, você não é a única a ser esquecida. O que não serve de desculpa.
Afinal, não sem razão ostenta o nome Felicidade. Bonita, com os seus muitos galhos como acenando para quem fixa o olhar em você , com os diversos matizes do verde dos seus galhos, afinal, cor da esperança .Vou me esforçar para lhe fazer mais companhia. Estou carecendo de uma convivência mais estável com você, em casa e na vida.