Que me mais me incomoda ou se faz onipresente na minha vida já em seu pleno outono? Sentado na minha poltrona confidente, amiga inseparável há tempo, me vejo refletindo – ah, minhas costumeiras e longas reflexões!- sobre esta fase avançada da existência. Tanto se discorre sobre a velhice, eu sei , desde o antigo mundo greco-romano. Lembremos, por exemplo, do sempre atual “De Senectute” ( “Sobre a velhice” ) de Cícero.
Não há, contudo, nesta simplória crônica, qualquer veleidade filosófica ou literária. Tarefa impensável para este mero escrevinhador sobre o espetáculo da coexistência dos humanos agrupados em comunidades. Intenta apenas manifestar o que vem, aos poucos , mais sentindo em seu dia a dia nesta fase da vida: a fixação mais forte de antigas inquietações , a presença permanente do passado, com suas lembranças adoráveis e com suas recordações doloridas, a busca de encontrar o sentido de certas pretéritas e intrincadas situações, ainda guardadas em sua memória, diria, mais presentes ao chegar numa etapa derradeira de nossa existência terreal.
A velhice preocupa o homem desde cedo. Quando eu ficar velho, como estarei? Chegarei à velhice? Obsessão onipresnte , desde sempre, acerca da finitude da vida. Esta obsessão se acentua ao se chegar ao outono, quando se chega… Quantos anos me restam? Manterei a lucidez até o finzinho?Vou comemorar o meu próximo aniversário? Vou assistir ao Brasileirão do ano que vem? Estarei por aqui no Natal do outro ano?
Porém, a ideia fixa com o futuro restante reveza com lembranças do passado, sobretudo o remoto. Sentado em minha cadeira, chego às vezes a fechar os olhos para melhor reviver os tempos idos e vividos… Com emoção incontida,reaparecem imagens fixas, de encantamento e de pesar, vão se sucedendo nos escaninhos da minha memória a partir da infância e adolescência : as idas ao velho Maraca , o meu casamento, o nascimento dos meus dois filhos, tê-los por vez primeira em meu colo, a perda de meus pais, a presença permanente de alguns amigos, de vários alunos de épocas distintas, os espaços e colegas da universidade em que construí a minha carreira docente, o dia em que resolvi me aposentar, com o afastamento de tantos companheiros, com a ausência para sempre do espaço mágico da sala de aula. Quantas lembranças marcam a vida de toda gente. Ultimamente, porém, o outono existencial me tem proporcionado muito mais visitas ao já longo caminho percorrido.
Inquietam-me ainda por agora a não compreensão satisfatória de alguns conflitos vividos em fases espaçadas da vida. Por que Fulano e eu , tão companheiros por longo tempo, fomos nos afastando a partir de certo momento da nossa coexistência amiga.Competividade? Inveja? Desconfiança?…De qualquer modo, uma separação que ainda hoje, sentado na cadeira com que dialogo, me dói. E mais uma ou outra. Perdas muito sentidas mesmo.Como doem!
Nesta etapa avançada da vida, porém, aprendi a me socorrer, ao pensar no futuro restante, destes versos de uma canção tornada famosa interpretada pela saudosa Doris Day , com versão para o português: “ O que será, será/ O que será, será/O futuro não nos pertence.”