O taxista, doutor sim senhor

Ao tomar um táxi, quando simpatizo com o motorista. puxo conversa com ele. Nada a haver com a sua idade. Nem com o seu nível sociocultural. O que conta mesmo para mim é a sua simpatia, o gostar de papear, hábito que vai deixando de ser hábito neste mundo da tecnologia.

A lucidez acerca de seus problemas e expectativas por um viver melhor me chamaram  logo a atenção de certo taxista. Não é que brotou um conversê bem interessante? Não senti nem o passar do carro em seu trajeto pelas diversas ruas, nem se o trânsito estava emperrado. A atenção se concentrou na descoberta do outro. Pelo menos, de parte de sua história. Cheguei a lamentar ter a corrida  sido tão curta.

Mais frequentemente se dá o óbvio: motoristas, de distintas faixas etárias, bastante desanimados com a sua situação profissional e a do país em geral. Perguntados sobre como está o movimento para ele naquele dia, o que mais se ouve: meu senhor. saí de casa às seis da manhã e só fiz trinta reais (eram três da tarde). Não está dando nem para pagar a diária. Moro bem longe. em outro município. Tenho trabalhado no sábado e no domingo perto de dezesseis horas em cada um destes dois dias para conseguir algum dinheiro.

E as lamentações se repetem na fala da maioria, com críticas também ao desmantelamento da nossa cidade. Os carros sacolejam quase o tempo todo com os buracos (crateras alguns) a cada passo nas vias da cidade, mesmo nas dos bairros da zona Sul, considerada a mais privilegiada pelas administrações municipais. E a mobilidade do trânsito? E as multas sofridas? E os assaltos dentro do próprio carro?

As preocupações com os filhos são uma constante: educação, alimentação, o perigo das drogas, o futuro… O zelo com eles é de todos, pode se dizer. A maior responsabilidade de suas vidas. Sentem não poder acompanhar os estudos deles. Pouca instrução para tal. O importante são eles, doutor.

Mas o taxista de ontem me surpreendeu. Puxei a conversinha habitual com ele, mas a reação foi bem outra. Patrão , tenho de trabalhar muito. Mas não fico me lastimando não. Veja bem: beirando os 60 anos, tenho boa saúde, força para o trabalho, minha casa, meu carro, uma família, o dinheiro suficiente pra ir tocando a vida. Tenho alguns ótimos usuários… Por sinal, quer ser meu cliente? Sabe , gosto muito da vida. Se lembra da música do seu tempo? “Gosto que me enrosco”. O que tenho me dá relativa tranquilidade pra viver. Sou calmo. Fiz o que era possível para ficar assim. Não passo a vida me lamuriando, nem sonhando sonhos impossíveis. Está tudo bem. Aprendo bastante com os passageiros. Vou anotando na cabeça o que dizem. Gente de sabedoria, o senhor sabe. Também não martelo muito a cabeça para compreender a vida. Viver é o que importa. Tenho minha fé, embora não seja de ficar indo ao templo.

Amigo, como é seu nome? José , me respondeu. José, você também tem sabedoria. As coisas que me disse , este seu saber levar a vida… Vários de seus clientes não têm esta sua sabedoria. Que isso, doutor? Falo sério. O estudo é muito importante, mas sozinho não dá sabedoria a ninguém. É preciso. José, saber ler o mundo, a vida, pensar no outro. Você tem o diploma dado pela vida. Este é que mais vale. Daqui a pouco, o senhor vai dizer que eu sou doutor, como o senhor. E é, José.  doutor em vida.

Chegamos ao destino. José não tinha um cartão para me oferecer. Não importa me disse. A vida – falou com a sua segurança – vai marcar outro encontro de nós dois.