Descontraída a conversa com um conhecido de longa data. Estávamos juntos de uma banca de jornal em Copacabana, perto de onde moro. Com jornais e revistas expostos, nos valíamos de manchetes variadas que líamos para falarmos sobre certos assuntos. A violência terrível, apavorante, do Rio não podia faltar. A certa altura, eis que o companheiro se refere à comunidade do Salgueiro, na Tijuca, bairro em que nasci e me criei. Se falo da minha Copacabana sedutora, não deixo de falar também da minha Tijuca adorável, de velhos tempos, envoltos numa saudade que não morre em mim. O garoto de rua, o rapaz com sua turminha, o universitário compenetrado, o jovem professor às voltas com suas inúmeras aulas, já com direito a um pequeno escritório na casa de seus pais, com quem vivia.
Pois meu companheiro de conversa comentou que o Salgueiro não tinha escapado da violência própria de tantas outras comunidades cariocas. Perigoso morar em suas redondezas, comentou. Ora naqueles velhos tempos, eu morava justamente nessas redondezas. E sem perigos, sem nenhum medo.
Costumava mesmo frequentar, na parte de baixo, a comunidade (favela, na época), me divertir com uma turminha de lá, jogando umas peladas, ou indo a animadas festas juninas. Nunca me senti ameaçado. Algumas pequenas lojas davam maior movimento ao local. Muita gente subindo e descendo o morro. Sempre me pareceu gente pacata, lutando pelo pão de cada dia.
Hoje isto seria impossível, atalhou meu companheiro de conversa. Uma tristeza funda me bateu. Oh mundo, novo mundo, exclamei. Convivia eu com amiguinhos, sem saber das condições de vida de cada um. O que nos unia era compartilhamos a alegria, as brincadeiras. Ninguém portava um crachá de identificação. Como esquecer este Salgueiro? Como apagá-lo da minha vivência de criança e de adolescente? Por onde andarão o Joãozinho da pipa? E o nosso Garrinchinha? E seu José que nos vendia suas cocadas a fiado? E toda uma gurizada contente em receber a gente que vinha de fora? E … e …
Salgueiro sempre se apresentou, sei bem, com uma das melhores escolas de samba de todos os carnavais. Não é que naqueles idos tempos tijucanos ele desfilava aos domingos de carnaval na sua vizinha Praça Saens Pena? Reverência ao bairro onde se criou e iria se tornar famoso, com uma torcida aguerrida e bem numerosa. No desfile, reconhecia tantos amiguinhos, já bons no samba de pé, todos orgulhosos de pertencerem àquela comunidade.
Parado naquela manhã de sol junto a uma banca de jornal de Copacabana, me desliguei como pude da conversa e me fixei nas minhas idas ao Salgueiro. É… Mudei eu, mudou o Salgueiro, mudou a cidade em sua forma de viver e conviver. Só não mudou o coração deste velho tijucano, que permanece alimentado por um mundo de lembranças de tempos de alegria e esperança.
De uns bons tempos para cá, Salgueiro integra aquele desfile grandioso, luxuoso, da Sapucaí. Cresceu muito a escola de samba, com muitos figurantes que não são da comunidade tijucana. Turismo crescente. Nunca fui de perto assistir ao desfile nessa sua nova e cinematográfica fase. Como reconhecer alguém dos velhos tempos que não voltam mais? Nenhuma baiana, nem o mestre-sala, nem um amiguinho, nem mesmo o Salgueiro que ficou guardado em mim.
Bons tempos, hein?
Opa, muito bons. Meu engraxate( havia o hábito de engraxar os sapatos)Era um sambista do salgueiro.