No túnel do passado

Sempre é bom conhecer o novo,, seja pessoas, cidades, cinemas, teatros  e  museus, praias, livros e livrarias, restaurantes,instituições e tanto mais, de que se venha  a gostar ou não. A partir de certa idade, eis que o desejo de rever muita coisa começa a se atiçar. Se vai protelando, até que chega um momento que não dá mais. Arrebenta coração. Parte-se para passeios ao passado, envoltos no mistério da expectativa, da curiosidade.

Meu primeiro intento foi rever a Tijuca. Convidei minha irmã para compartilhar comigo este clima de saudosismo, de reencontro com um tempo que só existia dentro de nós dois. Tijuca, onde vivi até os meus vinte e oito anos. Nela nasci e nela me tornei adulto, professor e leitor mais esclarecido do mundo. Não queria rever a Tijuca como um todo, não. Apenas as duas ruas, coladinhas uma na outra, em que morei, os prédios em que residi (teriam sobrevivido desde aquela época tão afastada?), o colégio em que estudei, uma ou outra loja que me marcou mais, como a Granado, que sabia resistir à modernização de tudo, porque se modernizou também, a casa de minha avó e de um ou outro colega… Já teriam morrido?

Embarcamos no passado, sem saber bem o que teria permanecido daquele período da vida tão relevante para a formação dos seres humanos que seríamos.  Um mergulho, pois, num extenso túnel do tempo. Um dos prédios em que residimos estava lá. Alto para a época, com  os seus 10 andares. Apenas não deixava de exibir as grades, obrigatórias agora de todas as construções da cidade, a simbolizarem a violência que nela impera Mas ele pouco me falava da vida de tempos atrás. O outro sim, este é que marcaria a minha infância e a minha juventude.

 Temi, à medida que caminhávamos já pela outra rua, mutilada, encurtada pelas obras do metrô ( que aflição vê-la assim), que ele tivesse desaparecido, como as inúmeras casas da rua. De repente, meu coração se acelera: a certa distância parece que o avisto na outra calçada. Devia ser ele, com seus três andares, apertadinho, mas guardando, sobranceiro, suas características, entre dois arranha-céus.  Só acreditei ser ele mesmo quando o encarei bem de frente. Tantas situações diversas, recoloca em nós tantos sentimentos que julgávamos de todo adormecidos. Nos sentimos em outro tempo, esquecidos, momentaneamente, da vida atual. Recitei para a minha irmã os nomes dos moradores dos doze apartamentos do prédio. Eta saudade, a potencializar a memória de  fatos e mais fatos do nosso viver e conviver do anteontem. Não sei quantos minutos ficamos ali parados, sem nos falarmos. Os transeuntes passavam por nós, em nossa frente, sem nos darmos conta. Éramos só um filme rolando em nossas cabeças, sem até reclamarmos do sol que nos fustigava. Momento que se integrava  à memória de nossas retinas, à memória da nossa longa vida.

 Ao sairmos dali, passos curtos, silenciosos, fomos caminhando sem rumo, como perdidos no bairro que nos viu nascer e conhecer o mundo. Fomos despertados, ao cruzarmos pela rua em que morava nossa avó. Seu prédio não mais existia, desde muito certamente. De repente nos vemos chegando à sempre lembrada Praça Saens Peña, com a modernizada Granado   logo a se destacar, com sua loja ampla, com ar condicionado, exalando um perfume delicado, a embriar aqueles forasteiros de outros tempos. A Praça, esta nossa Praça, já tinha sido revisitada algumas vezes. Muito diferente da de outrora, com seu imenso jardim, tão bem tratado, a paz que nos transmitia, sem atropelos, rodeada de belos cinemas, tragados pela volúpia do crescente comércio, a atender ao aumento vertiginoso da população do bairro.

 Certo cansaço começou a nos bater, muito em razão da emoção por que passávamos nesta incursão por um bairro que não mais existia para nós. Não mais se reuniram forças para outras visitas naquele passeio pelo passado. O nome Tijuca se manteve, mas vivíamos ainda, intensamente, o bairro de outrora, com outro urbanismo, sem nossas referências principais, sem sobretudo aquele aconchego, que nos agasalhava e nos ajudava a  abrir para o mundo.