Gente humilde

Repete-se muito que a vida vai passando ,vai passando, e depressa. Me lembro bem: foi há tanto tempo, eu era ainda jovem, mas já envolvido com questões existenciais. A vida e a morte. Ela, Dona Maria era seu nome, com uma aparência de mais idade que tinha na verdade, sentada num banco, à porta de seu casebre, naquela fazenda imensa, a perder de vista, cercada por belos morros.

Nos dias que costumava passar, durante as férias, na fazenda de um tio avô, puxava umas conversas com ela, e com um ou outro empregado. Gente muito humilde. Queria saber como era o mundo interior deles. Me batia sempre muita curiosidade. Sentado no chão de terra, bem à vontade, ia com jeito conseguindo com que Dona Maria fosse falando no seu linguajar delicioso. Já então cursava Letras. Era a empregada da fazenda que mais me seduzia para as minhas pretenciosas divagações filosóficas Quanto mais papeávamos, mais aquela senhorinha, com seus sessenta anos, soltava a língua. Criaturinha doce, temente a Deus.

Se sentia, de início, meio envergonhada de falar com um senhorzinho, de um outro mundo, bem diferente do dela, calculava. Não conhecia as letras. Não conheceu a escola. Julgava assim que  se expressava mal.Preferia então falar pouco comigo.  Que interesse teria para mim o que ela contasse? De maneira carinhosa, para tentar envolvê-la na nossa conversa, em certo esforço de deixá-la à vontade, ia num crescendo de admiração por aquela pessoinha que já tinha me conquistado. Gente humilde como ela sempre me seduziu. Não conhecia as letras, mas ia empregando palavras que mostravam sua sabedoria ante a vida.

Pele muito enrugada, olhos fundos, contudo, ainda com vida, com seu vestido com alguns remendos, quase não dirigia perguntas a ela. O importante era o pouco que ela escolhia para falar. Dos filhos, eram três rapazes, da luta pela criação deles, do marido, ainda vivo, da preocupação com a saúde dele, que se mostrava já muito cansado, após tantos anos de luta brava no campo. Os filhos não podiam deixar de trabalhar na fazenda, ajudando o pai, na função que lhe cabia: cuidar de parte da plantação daquela imensidão de terra. Não tinham podido ir à escola da vila. Desde muito cedo, trabalho duro. Mas não faltava à família o que comer. Isto não. Os filhos eram sadios. Com a graça do Senhor.

Perguntei à Dona Maria o que era desejo seu. Ela me olhou com certo espanto. Depois de alguns minutos de silêncio, me respondeu que gostaria de manter a família ali por perto, mesmo que os filhos se casassem, mas tivessem por ali a casinha deles. Quero todos por perto. E acrescentou: poder também às tardinhas ficar sentada aqui olhando para vida. Para a vida? – insisti eu. Sim. Que amanhã seja como hoje. Daqui a pouco é hora de todos estarem voltando do trabalho. Descansam um pouco. Tomam seus banhos. Temos bastante água, graças a Deus. É tempo então de dar comida a eles.

E a vida passa depressa, não é Dona Maria? Ela me fitou mais longamente. Parecia apertar os olhos. num esforço para me responder. Senhorzinho, a vida é uma corridinha… Já estou terminando a minha. O coração da gente vai cansando, cansando… Aí a gente sai da corridinha. Me falta pouco pra chegar no céu, se é a vontade de Deus, completou a sua fala. Desejo é ficar por aqui, com minha  família.Sabe?, aqui  é meu mundo.Muito afastado do mundo do senhorzinho. Mas, a vida aqui é muito boa para mim.

Gente humilde, gente humilde, que vontade de chorar!