Estou envelhecendo. Envelhecendo, nada. Não estou envelhecendo, sou velho, bem velho, me falava em voz alta o Fred. Mania essa minha de estar sempre dizendo “estou envelhecendo”.Não tenho mais como envelhecer.Como não? protesto. Cada ano, cada mês… Isto não é nada para mim, replicou Fred. Só aumentam as limitações, as dependências. Cada lugar que frequento sou o mais velho da turma.Veja por outro lado, amigo.Nestes lugares, você é o de vida mais longa, e possivelmente o não mais acabadinho. Vejo você ainda bem ativo.Ele sorriu, mostrando seus dentes bem alvos.
Passo por cada uma. Sei que são gestos ou atitudes de delicadeza comigo. Mas sabe, me sinto ainda sem graça ante certas situações. Sempre era eu o educado, o gentil.Agora são os outros comigo, me confidenciou Fred.Uma senhora me oferecendo passar à sua frente numa fila( imagine!), alguém se abaixando para pegar algo que deixei cair na calçada…Na fila do correio é certo: o funcionário meu conhecido, logo ao me avistar, diz em voz alta: senhor, por favor. Vexado, passo à frente de algumas pessoas sem encará-las, muito constrangido. Mas é um direito seu, Fred, assegurado por lei.Você se tornou preferencial. Detesto este termo. Velho lá pode ser preferencial?Prêmio a quem soube viver, e bem, até hoje, amigo. Mas não me sinto bem.
Hoje , prosseguiu Fred, me aconteceu uma hilária. Com um sol fustigante, me bateu uma forte sede. Por acaso, perto de onde eu estava, havia um carrinho vendendo água de coco.Oba, exclamei .Pedi uma garrafinha. Bem gelada, claro. O homem de meia idade, com a camisa do Fla, me atendeu cheio de mesuras. Senta ali naquela cadeira, na sombrinha gostosa, que eu vou servir o senhor. E fiquei ali num bem-bom, matando a sede, aos goles calmamente intervalados, com o meu copo sempre completado. Ao acabar, ao intentar me levantar, o vendedor diz: se quiser descansar mais um pouquinho, fica à vontade. Pode? me indagou Fred. Por que não, ora essa, lhe respondi.Você está lidando mal com a gentileza das pessoas.Ainda bem que tem muita gente ainda delicada.
Mas está demais, emendou Fred.Queria comprar um sapato. Na loja vazia, lá vem uma moçoila, poderosa!, me atender. Dito o que queria, ela logo arrumou uma cadeira para eu sentar e aguardar.Após alguns minutos, lá vem ela carregando não sei quantas caixas. Nossa , disse eu.Não vou levar a casa.Quero experimentar estes pares no senhor para ver com qual deles o senhor se sente melhor.Calçar bem até nos acalma.Pode, enfatizou Fred.E você comprou algum? Comprei dois pares. E ainda duas meias.Tinha de retribuir tão bom acolhimento.E ainda me levou até à porta, na saída.Volte sempre. Até para uma conversinha rápida. Mora tão perto.
Puxa, Fred, você está vivendo num mundo de que quase não se fala mais, ou não se usufrui, atualmente. Aproveita, rapaz. Não fique pensando em tratamento especial, em prioridade que não reivindicou, estas coisas.Vantagens, benesses, de quem viveu, e ainda vive, uma boa estirada, ainda que num dia a dia tantas vezes agressivo, competitivo, perigoso mesmo.Agora mais do que nunca.Relaxe e…aproveite.Talvez seja esta a fase da sua vida de receber mais do que oferecer, se doar.Fred, Fred, você está usufruindo momentos de felicidade, e parece não acolher bem os paparicos da vida com você.