Encontro terapêutico

Maciel era alto, magro, meio desajeitado e mais para introvertido. Contudo, tinha lá seus amigos. Rodava os 30 anos. Professor de História, e bom professor, é o que corria. Cheguei a conversar com ele algumas vezes. Colegas numa escola pública e com horários parcialmente coincidentes. Com o passar do tempo, já com certa intimidade, chegamos a sair juntos para uma cerveja. Um parêntese: cerveja só para mim. Ele bebia ou água mineral ou refrigerante, quase sempre água tônica, quente. Sim, quente. O gelado não lhe caía bem, me disse. Me causa faringite. Mas consegue tomar assim quente? Ah, já me acostumei. Hoje, até gosto.

Assim, a dois, Maciel se abria mais. Devia se sentir mais seguro. Falava mais dele então. Com algumas poucas saídas, já deu para perceber certas características suas. Até que conversava bem, bem mesmo. Tinha um bom conhecimento da nossa história , me revelando fatos que eu desconhecia. Sempre gostei de História. Por isso, chegava a puxar a conversa com ele. Minha cerveja caía melhor. Penso que a água tônica dele também, pois chegava fácil à segunda garrafa. Não aceitava qualquer petisco. São muito gordurosos, me confidenciava. Um perigo para o colesterol. Tudo bem. Estou com fome, retruquei. Aqui, eles têm uma torta de limão divina. Nossa, exclamava ele, vai disparar a minha taxa de glicemia. Alta? Não, mas pode ficar.

Nosso relacionamento foi se estreitando em pouco tempo, embora, ao contrário dele, eu fosse guloso. Fácil, fácil, ter percebido que o já então amigo era um legítimo hipocondríaco. Dos mais fanáticos. Ele mesmo reconhecia . Hipocondríaco consciente . Até se incomodava com esta sua doença, como costumava falar. Entendi que a sua vida se tornara dificultosa, limitada, pois alimentava um medo mórbido de contrair doenças, de quase tudo lhe fazer mal: bebidas, alimentos, ar refrigerado, mudança de tempo…

Estreitada nossa amizade, um dia me confidenciou algo mais íntimo. Como conseguirei  casar? Ante o meu espanto: que moça vai me aturar no dia a dia? Podia partir para uma terapia, tentando eu ajudá-lo. Ih, demora anos, o resultado é incerto… Então é casar : vai encontrar certamente uma moça que goste de você, amorosa, compreensiva…Será a sua terapia.

Me olhou não lá muito convencido.Hipocondria séria. Entramos em férias. Na volta ao batente, quando se encontrou comigo, foi logo me dizendo: precisamos conversar, tenho uma boa para lhe contar. Saímos logo naquele mesmo dia. A curiosidade me batia. Sentados no primeiro café que encontramos, foi logo me dizendo: estou namorando e para casar! Tomado pelo entusiasmo. Me conte, como conheceu a moça? No metrô. Sim, e a aproximação entre vocês? Houve uma paquerada boa, saímos já conversando, aquele clima, aquela sedução…

Mas que maravilha, exclamei. Têm saído? Sim, muito. Mas a água tônica continua quente, nada de petiscos…Pelo visto, nem a torta de limão.Não tem importância, me replicou. Ela aceitará bem estas suas, digamos, esquisitites?  Com certeza. Que bom. Me parece bem seguro. Já conversou sobre isso com ela? Seus exames de sangue freqüentes para aferir as taxas? Sim, sim. Ela gosta mesmo de mim, tenho certeza. E eu, muito dela. Me passa  uma confiança! Enfermeira diplomada!