Sei que perco contatos: não posso enviar mensagens para algumas pessoas, nem delas consigo receber postagens que me seriam muito bem-vindas. Eu sei, eu sei. Mas não consigo aderir ao whatsapp. Me vejo cada vez mais numa minoria nesse mundo virtual. Na verdade, já me habituei, creio, a fazer parte de minorias. Numa boa. Compromisso primeiro comigo, com que penso e sinto. Não que eu seja contra os avanços da tecnologia. Não sou mesmo. Coroa moderninho? Talvez. Tenho meu computador há um bom tempo. Nele me valho dos e-mails, do facebook, tenho meu blog, sim senhor, até que bem visitado, compro ingressos para eventos, digito integralmente um livro meu…O suficiente já para mim
Como gosto de estar escrevinhando, não é que passei a fazê-lo com mais desenvoltura? Foi surpreendente. Os textos vão nascendo sem fórceps. Passei a visualizar melhor o desenvolvimento que iam tomando. Mas o whatsapp? O porquê de tanta resistência, de má vontade mesmo? Que se passa, na verdade? Ele me incomoda, antes de tudo, por eu não conseguir digitar depressinha. Cometo muitos erros e acabo ficando nervoso. Digitar só com calma para mim. Nunca fui datilógrafo. Fiz até curso, que, durante certo tempo, era comum mormente para quem mantinha certa pretensão de entrar para o Banco do Brasil ou Caixa Econômica, as carreiras mais almejadas pelos jovens de classe média. Mas acabei abandonando o curso. Não era a minha, e a professora , impaciente, rabugenta.
Mas a razão principal da minha resistência ao whatsapp é bem outra: onde quer que eu esteja hoje em dia lá estão as pessoas conversando pelo zapp, forma abreviada já usada pelos íntimos dele, deixando de lado tantas vezes os companheiros de uma longa e boa convivência. Isto me incomoda. Desatenção com quem está ao lado. Coisa urgente? Sempre? Vamos e venhamos. Gente, eu vi, eu vejo, quase todo mundo recebendo e respondendo mensagens pela telinha em todos os lugares: nas ruas e avenidas, nos restaurantes, nos cinemas e teatros, nas igrejas, nos velórios, nos táxis… Será que nos abraços de um casal em uma sala escura de cinema?
Bem pertinho de mim, escuto com frequência a voz de uma pessoa caminhando na rua. Penso que está falando sozinha ou até se dirigindo a mim, mas qual nada, é com alguém resguardada pelo aparelho. Sei não a que ponto chegaremos. Nas salas de cinema, que frequento com assiduidade, constato, já há algum tempo, situações diria embaraçosas, mas, antes de mais nada, fruto de má educação, pois acontecem num lugar público, com ingresso pago, perturbando quem foi ao cinema para assistir ao filme ( e agora comer pipoca também ). Neste último sábado mesmo, numa sala de Ipanema, bairro aristocrático, uma moça acendia a toda hora o seu celular. Evidentemente que a claridade atrapalha a visão dos que estão mais próximos. As pessoas, na fileira imediatamente detrás, passaram a se dirigir a ela, reclamando. Ela não tinha nenhuma reação. Nem era com ela. Vez por outra, voltava a acender o aparelho. Protestos quase até o final do filme. Para que foi afinal ao cinema? E na igreja? Quer a pessoa enfim rezar ou ficar conversando pela telinha?
Nos táxis, muitos motoristas dirigem com um olho no trânsito e outro no whatsapp. Olha que a multa está agora pesada, digo para eles. Eles sorriem descansadamente. Alguns , o de ontem, por exemplo, se justifica: patrão, não dá para interromper, veja aqui, me mostrando a telinha com a foto de uma bela, bela mesmo, mulher de maiô. Está vendo?Sim, acho que você não está é vendo o trânsito. Assim, fica difícil. Num intervalo da conversa que mantinha com a tal da foto, me explicou: este mulherão é minha ex-sogra, um amor de pessoa, gente fina, além, já viu, né ? Estamos acertando uma viagem lá para os lados de Cabo Frio, para amanhã. Quer passar uns dias por lá e está me contratando como motorista.Riu à vontade. Só falta acertar o horário. Preço? deixa pra lá. Pelo que escutei, acabaram por acertar tudo. Tudo .É, a valia do whatsapp não pode ser desconsiderada., falei comigo mesmo
. E o whatsapp sendo utilizado nas salas de aula? Cheguei, é certo, a presenciar ainda os primeiros episódios neste espaço escolar. Sentia que se estava entrando numa nova era, na relação professor/alunos. Quando comecei a perceber a presença insinuante da telinha na sala de aula, falei com firmeza para a turma: nada de celular e desta coisa de que não sei o nome. Em certa aula quase a seguir, foi um tal de alunos saírem correndo da sala, numa posição que, ingenuamente, pensei de início tratar-se de uma virose intestinal coletiva. Tolo.Não, eles não iam para o banheiro, mas para o corredor. Passei como qualquer professor a ter um problema novo. Gente, no caso, os alunos eram já professores. Não deu outra: o olhar deles se dividia entre mim e o aparelho. Mensagens que recebiam sem parar. Entre uma análise linguística que eu me esforçava para apresentar e as últimas notícias que, a cada momento, entrava, a atenção deles se dividia. Entre a metalinguagem do professor, que exigia certo esforço de compreensão, e a linguagem fresquinha, fresquinha, dos amiguinhos, não era nada difícil eles acabarem apagando a minha voz
Me sentia frustrado em reconhecer que a minha voz deixava de reinar durante as aulas. Já não era o protagonista de antes Minha vingancinha se daria quando eles tivessem com as suas turmas. Não sei, talvez o colégio proibisse o celular. Mas numa turma de gente adulta, como fiscalizar na entrada da sala ? Explicar o apego obsessivo às mensagens sempre recorrentes através do whatsapp, eis a questão. Sua força atrativa. Terreno da psicologia ao embrenhar-se no estudo do comportamento humano. Soube apenas, por alto, que o afastamento, por qualquer razão, desta interlocução digital tem ocasionado transtornos mentais, como a síndrome do pânico já havendo até clínicas para deles tratar. Desta situação não corro riscos. Pode ser, pode ser, talvez não queira aderir ao zap, para não correr tal risco, já que tenho de conviver com outros, bastante perturbadores para minha saúde mental.
Um pouco fora do mundo
Sei que perco contatos: não posso enviar mensagens para algumas pessoas, nem delas consigo receber postagens que me seriam muito bem-vindas. Eu sei, eu sei. Mas não consigo aderir ao whatsapp. Me vejo cada vez mais numa minoria nesse mundo virtual. Na verdade, já me habituei, creio, a fazer parte de minorias. Numa boa. Compromisso primeiro comigo, com que penso e sinto. Não que eu seja contra os avanços da tecnologia. Não sou mesmo. Coroa moderninho? Talvez. Tenho meu computador há um bom tempo. Nele me valho dos e-mails, do facebook, tenho meu blog, sim senhor, até que bem visitado, compro ingressos para eventos, digito integralmente um livro meu…O suficiente já para mim
Como gosto de estar escrevinhando, não é que passei a fazê-lo com mais desenvoltura? Foi surpreendente. Os textos vão nascendo sem fórceps. Passei a visualizar melhor o desenvolvimento que iam tomando. Mas o whatsapp? O porquê de tanta resistência, de má vontade mesmo? Que se passa, na verdade? Ele me incomoda, antes de tudo, por eu não conseguir digitar depressinha. Cometo muitos erros e acabo ficando nervoso. Digitar só com calma para mim. Nunca fui datilógrafo. Fiz até curso, que, durante certo tempo, era comum mormente para quem mantinha certa pretensão de entrar para o Banco do Brasil ou Caixa Econômica, as carreiras mais almejadas pelos jovens de classe média. Mas acabei abandonando o curso. Não era a minha, e a professora , impaciente, rabugenta.
Mas a razão principal da minha resistência ao whatsapp é bem outra: onde quer que eu esteja hoje em dia lá estão as pessoas conversando pelo zapp, forma abreviada já usada pelos íntimos dele, deixando de lado tantas vezes os companheiros de uma longa e boa convivência. Isto me incomoda. Desatenção com quem está ao lado. Coisa urgente? Sempre? Vamos e venhamos. Gente, eu vi, eu vejo, quase todo mundo recebendo e respondendo mensagens pela telinha em todos os lugares: nas ruas e avenidas, nos restaurantes, nos cinemas e teatros, nas igrejas, nos velórios, nos táxis… Será que nos abraços de um casal em uma sala escura de cinema?
Bem pertinho de mim, escuto com frequência a voz de uma pessoa caminhando na rua. Penso que está falando sozinha ou até se dirigindo a mim, mas qual nada, é com alguém resguardada pelo aparelho. Sei não a que ponto chegaremos. Nas salas de cinema, que frequento com assiduidade, constato, já há algum tempo, situações diria embaraçosas, mas, antes de mais nada, fruto de má educação, pois acontecem num lugar público, com ingresso pago, perturbando quem foi ao cinema para assistir ao filme ( e agora comer pipoca também ). Neste último sábado mesmo, numa sala de Ipanema, bairro aristocrático, uma moça acendia a toda hora o seu celular. Evidentemente que a claridade atrapalha a visão dos que estão mais próximos. As pessoas, na fileira imediatamente detrás, passaram a se dirigir a ela, reclamando. Ela não tinha nenhuma reação. Nem era com ela. Vez por outra, voltava a acender o aparelho. Protestos quase até o final do filme. Para que foi afinal ao cinema? E na igreja? Quer a pessoa enfim rezar ou ficar conversando pela telinha?
Nos táxis, muitos motoristas dirigem com um olho no trânsito e outro no whatsapp. Olha que a multa está agora pesada, digo para eles. Eles sorriem descansadamente. Alguns , o de ontem, por exemplo, se justifica: patrão, não dá para interromper, veja aqui, me mostrando a telinha com a foto de uma bela, bela mesmo, mulher de maiô. Está vendo?Sim, acho que você não está é vendo o trânsito. Assim, fica difícil. Num intervalo da conversa que mantinha com a tal da foto, me explicou: este mulherão é minha ex-sogra, um amor de pessoa, gente fina, além, já viu, né ? Estamos acertando uma viagem lá para os lados de Cabo Frio, para amanhã. Quer passar uns dias por lá e está me contratando como motorista.Riu à vontade. Só falta acertar o horário. Preço? deixa pra lá. Pelo que escutei, acabaram por acertar tudo. Tudo .É, a valia do whatsapp não pode ser desconsiderada., falei comigo mesmo
. E o whatsapp sendo utilizado nas salas de aula? Cheguei, é certo, a presenciar ainda os primeiros episódios neste espaço escolar. Sentia que se estava entrando numa nova era, na relação professor/alunos. Quando comecei a perceber a presença insinuante da telinha na sala de aula, falei com firmeza para a turma: nada de celular e desta coisa de que não sei o nome. Em certa aula quase a seguir, foi um tal de alunos saírem correndo da sala, numa posição que, ingenuamente, pensei de início tratar-se de uma virose intestinal coletiva. Tolo.Não, eles não iam para o banheiro, mas para o corredor. Passei como qualquer professor a ter um problema novo. Gente, no caso, os alunos eram já professores. Não deu outra: o olhar deles se dividia entre mim e o aparelho. Mensagens que recebiam sem parar. Entre uma análise linguística que eu me esforçava para apresentar e as últimas notícias que, a cada momento, entrava, a atenção deles se dividia. Entre a metalinguagem do professor, que exigia certo esforço de compreensão, e a linguagem fresquinha, fresquinha, dos amiguinhos, não era nada difícil eles acabarem apagando a minha voz
Me sentia frustrado em reconhecer que a minha voz deixava de reinar durante as aulas. Já não era o protagonista de antes Minha vingancinha se daria quando eles tivessem com as suas turmas. Não sei, talvez o colégio proibisse o celular. Mas numa turma de gente adulta, como fiscalizar na entrada da sala ? Explicar o apego obsessivo às mensagens sempre recorrentes através do whatsapp, eis a questão. Sua força atrativa. Terreno da psicologia ao embrenhar-se no estudo do comportamento humano. Soube apenas, por alto, que o afastamento, por qualquer razão, desta interlocução digital tem ocasionado transtornos mentais, como a síndrome do pânico já havendo até clínicas para deles tratar. Desta situação não corro riscos. Pode ser, pode ser, talvez não queira aderir ao zap, para não correr tal risco, já que tenho de conviver com outros, bastante perturbadores para minha saúde mental.
Jogando conversa fora
Hoje, jantando num pequeno restaurante aqui perto de casa, pude presenciar ao vivo uma cena que já me tinham descrito. Um casal de meia idade se senta à mesa vizinha da minha. Feitos os pedidos ao garçom, o homem, bem depressinha, tira o celular do bolso, e não mais o deixa, a merecer sua atenção exclusiva. A mulher, certamente de saber feito, não se faz de rogada e apanha um livro que trazia junto à sua bolsa. Começa a lê-lo, a continuar a lê-lo, a partir da página assinalada por um marcador. Espichando o meu pescoço inconveniente (nem tanto, afinal as mesas eram coladinhas) deu para ver que era uma obra da Martha Medeiros.
Deste modo, os dois iam usufruindo suas gulodices, sem comentários, com algumas reações dele, rindo com ele mesmo com postagens que certamente ocorriam em seu celular. Até dois estranhos, postos nesta situação, talvez acabassem por falar alguma coisa. Pensei: devem estar juntos há algum tempo, sem ter muito mais o que conversar. Cada um sabia tudo do outro, nada a acrescentar, nada de novo ou surpreendente. E assim caminhava de certo a vida daquele casal.
Me choca mesmo observando esta situação, como outras que o dia a dia me oferece, é a ausência de conversa. Sem conversa eu não vivo, sem sua força agregadora para trocar idéias , para convencer ou ser convencido pelo outro, para manifestar humor, para desabafar sobre o que angustia a alma, em suma, para falar e para ouvir. A conversa não é a base da terapia? Sei não, mas atualmente contar com um amigo para jogar conversa fora ou para confessar aquele temor que lhe está lhe roubando o sossego talvez não seja fácil. O tempo também, nesta vida corre-corre, tem lá outras prioridades. Mia Couto é contundente: “ Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão.”
Até se fala muito, mas ouvir o outro? Falo de conversas entre pessoas no mundo real. Vive-se hoje, parece, mais no mundo digital. Nele até que se conversa muito, porém é tão diferente, mesmo quando um está vendo o outro. O compartilhamento do mesmo espaço, diria, é que nos proporciona a abrangência do outro, a captação do seu respirar, as batidas de seu coração, o seu cheiro, o seu humor… Desse diálogo é que tanta gente está sentindo falta. Até por telefone as pessoas conversam atualmente bem menos. Pelo whatsapp fica mais fácil, alega-se. Rapidinho, rapidinho. Mas e a conversa? Se conversa sim, replicam. Será? Ou se trocam algumas palavras? Quando falo em conversa, me refiro àquelas conversas que se esticam, sem tempo marcado, sem caminho reto, a pularem de assunto em assunto. O whatsapp é de graça, proclamam. Talvez um argumento que pode ser robusto, como se diz hoje, a favor da utilização deste instrumento moderno. Mas será apenas por isso?
Mas, me lembra um amigo meu:, nos whatsapps se trocam mensagens por escrito. Eu sei. Mas língua escrita é outra modalidade, outro modo de ativar a linguagem, a começar pela não copresença física dos interlocutores. No telefone, não há esta copresença física , mas este meio de comunicação não é impeditivo de falante e ouvinte, a cada passo, trocarem de papéis e até mesmo de falarem ao mesmo tempo, configurando, pois, características próprias da modalidade oral. Contudo, não se respira o mesmo ar, ainda que já se possa ver o outro. Tendo-se passado a valer-se menos do telefone, as conversas também vão, por isso, se tornado menos frequentes Gosto mesmo é de conversas, de preferência com poucos companheiros, sem pauta, sem temas censurados, sem se ter de esmerar na linguagem. Conversa sem compromisso, a não ser a de evitar a chatice. Com suas contundências, conflitos de opiniões, momentos de solidariedade e até de língua enrolada, de tanta cerveja posta para dentro. Conversa que é vida, que retrata a vida no seu dia a dia.
No grupo maior formado, há de tudo: o porra-louco, o filósofo, o de uma nota só, o come calado (batata frita!), o depressivo, o conquistador de garganta, o saudosista Nem sempre, é verdade, estou motivado para participar destes grupos. Porém, passado um tempo, a saudade me bate . Mas aqueles bate-papos intimistas com um amigo de tantas afinidades, merecedores que nos tornamos da confiança um do outro, estes não têm nada igual. A apreensão abrangente do amigo, de seu psiquismo, dos seus sentimentos, das dificuldades mais íntimas por que passa, nos faz sentir fortemente a nossa natureza humana, a maior valia da vida.
Estes momentos vão se tornando, assim me parece, uma cena menos habitual nestes tempos digitais. A pressa, os problemas a se multiplicarem, as tarefas a se diversificarem, como encontrar uma brecha para aquela conversa, que é entrega , confiança, despojamento? Conversa que exige respeito: um local calminho, sem gritos, vozes esganiçadas, garçons serenos. Sim, umas tulipas estourando de geladas e uns tira-gostos de nosso paladar a exigirem nova pedida. Não queria perder estes encontros. Afinal, a vida está passando tão depressa…