Não é que esta Conceição lembra outra famosa, celebradíssima há anos na voz de Caubi Peixoto? Quem não se lembra? Aquela que ouviu de alguém lá do morro que “descendo à cidade ela iria subir”?
Esta desconhecida, uma exuberante morena, uma mulata e tanto, passou a se queixar de que sentia saudades, sofridas saudades, da sua vida lá do morro. A saudade mata a gente, cantarolava. Por que fui trocar a vida do morro por esta vida na cidade? Por que, meu Deus? As fantasias, elas certamente me levaram a descer o morro. Pois é, dizia, lá eu era feliz, mas parece que não sabia, não dava valor ao meu dia a dia. Talvez, a rotina. A cidade, a vida nela , me atraía, sei lá, coisas novas, pessoas diferentes, um agito bem animado… Por que não tentar, uma aventura, afinal? Não sou de ter medo de enfrentar a vida. Tentar, e por que não?
A cidade foi me mostrando uma vida bem diferente. Complicada. Não dava para me sentir à vontade . Fui ficando insegura, desconfiada. Uns mistérios. Nada de olho no olho. Tudo parecia negócio. O dinheiro, o grande patrão. Alegria, alegria, onde estás? Minha mocidade sedutora atraía sim, como a de tanta gente. O pior, no entanto, é que minha identidade se apagava. Alegria, soltura, liberdade. Os olhos dos homens é que falavam , grudados em meu corpo, na minha ginga. Ditos grosseiros. Me achava invadida por onde andasse. Muito chato. Comecei a controlar até minha forma de andar para chamar menos atenção. Prender mais os molejos do meu quadril. Um porre ! Tudo para mim ficou mesmo complicado. Imagina eu me controlando. Que diabo, vida é coisa simples, não é para complicarr, ,ela se dizia.
Complicam tudo por aqui em baixo, na cidade, ,até o Carnaval. Competição, concursos, até da mais gostosa. Nada a haver comigo.Samba nos pés e quadris, corpo solto, alegria, roupa bem arejada, um copo gelado da lourinha, um batuque daqueles, o que mais?. É, não é vida para mim não., Nem o Carnaval.
No morro é que está minha gente, os meus amigos .Tudo de bom. Lá é que corre mesmo o meu sangue, lá sambava despojada de tudo, lá tinha meus quentes casos de amor, sem interesses outros, lá entrava na casa de todo mundo. Eu era eu mesma, livre, espontânea, sem não me toques e retoques. Cara limpa, alma leve. Paquerada sim, sem grosserias. Que me sentia desrespeitada coisa nenhuma. Palavras simples, ditas com um sorriso leve, matreiro. Roupa simples, bem à vontade, sem pintar o meu rosto. Tudo original como Deus me deu e, o mais importante, com o meu pulsar pela vida sempre presente.
No morro do meu tempo, chamada apenas por Ção, amava ser assim livre, despojada, agora me interesso pela paquera do momento, o meu ofício de costureira pro pessoal de lá, minha mãe, minha irmã, meus sobrinhos, meus vizinhos, uma família só. Dinheiro? A grana é coisa legal, precisão dela, mas pra ser gasta ali no morro mesmo. Sempre deu pro gasto. Assim é que Ção voltou para onde ela era Ção.
Pronto, dizia ela, já desci à cidade. Ção, comentava, estava deixando de ser Ção, pra ser uma desconhecida em meio a outras tantas desconhecidas. Precisão de voltar pro morro. Dos pés descalços, das minhas bermudas provocantes, do corpo solto ,sem faltarem as paqueras, do meu dia a dia cumprimentando todo mundo, do brincar com os sobrinhos, de pôr a cabeça no colo da mãe.Ção quer voltar a ser feliz. Só voltando a subir o morro