O professor sem nome

Estava eu num intervalo de aula. Descansar é preciso. Minhas cordas vocais falavam para mim: olha que, mais de uma vez, você me estressou! Se esqueceu? Tomava um café, numa roda de alunos, num bar pertinho do prédio em que lecionava num curso de atualização para professores de Português. Faixas etárias bem distintas as dos alunos. Alguns saídos da adolescência, outros que já ostentavam uma folha corrida expressiva na atividade docente. Todos, quero acreditar, empenhados em se aperfeiçoarem em sua formação . Por que, com sacrifícios enormes, estariam ali? Por um certificado nem de tanto peso assim?

Diria permanentes as nossas trocas de ideias durante as aulas .A sala de aula deve ser um espaço de trocas de experiências e saberes, ainda mais entre professores.Nossos encontros no recreio (recreio sim, por que não?) se davam ali na porta do bar muito naturalmente. De início, certo constrangimento.Depois, o papo ia tão animado, que passávamos às vezes um pouquinho dos vintes minutos regulamentares, com a minha tolerância  , seja dito.

Os assuntos brotavam espontaneamente e bem variados.  Evitavam-se , a pedido meu, os comentários políticos. Época de embates contundentes, grosseiros mesmo, quase sempre não fundamentados, de dualismos exacerbados, desrespeitosos. Tempo do ‘eu e eles’.

Filmes vistos, livros ou artigos lidos, lembranças de professores… eram alguns dos assuntos focalizados.Viu o filme tal ? Conhece o professor Fulano ou Beltrano ? Este foi meu professor. Aprendi muito com ele.Que bom!,  respondia.

 Certo dia, não sei bem por que, resolvi dirigir uma indagação a um ou outro aluno durante o nosso cafezinho semanal. Quem foi seu professor(a) de Linguística?  Você, Ana. Professora tal,  me respondeu de pronto a aluna.Gostava muito dela. Só quero  o nome, sem avaliações, ok? Repito a indagação a outro aluno. Mestre, não estou agora me lembrando  do nome dela. Era baixinha, loura… Me controlei, abafando meu desalento.Estendi a minha pergunta a mais dois alunos. Um deles também esqueceu o nome do  seu professor… Só nome!, sem avaliações do curso recebido,insisti.

Amanhã, não se lembrarão mais do meu nome, foi o que senti . Perplexidade indisfarçável a minha, certamente. Comentando com um colega, ouvi dele: puxa, isto é comum. Às vezes, guardam o apelido com que a turma chamava o professor: o mestre dos –emas (fonema, morfema, lexema…). Soube que, em início de minha carreira de professor universitário, era chamado de alomorfe.

Como explicar , na verdade ,o esquecimento do nome do professor(a), ainda mais por parte de alunos recém-formados? Indício de uma relação essencial que não se mostrou eficiente? Se me mostro um aluno interessado no curso , nas aulas ministradas,nos conhecimentos que vão sendo adquiridos, como  esquecer o nome do professor? Mas é uma hipótese, eu sei .

Se, ao contrário, caso se pressuponha que o professor não deve ter enfatizado o conteúdo que faria diferença na vida de seus alunos, seria mais compreensível que alguns deles não tivessem maior interesse pela disciplina, logo a empatia com o professor, o esquecimento do seu nome . Se tornam alunos pouco participantes do curso, desatentos, surdos muitas vezes à fala do professor, que vai emprestando sentido às palavras. Guardam-se apenas traços físicos do professor, apagando da memória até o seu nome. Mas todas estas considerações podem ter seu valor anulado na vida escolar. Há muito mistério no que ocorre numa sala de aula.Tenho guardados os nomes dos meus professores desinteressados e desinteressantes ao ministrarem seus cursos.

Saí daquele encontro semanal meio decepcionado. Foi então que, por uma associação de situações , me ocorreu a fala , anos atrás, de certo candidato à Presidência da República que, em suas aparições de propagando eleitoral na TV, berrava, a cada  final de programa: “ Meu nome é…”. Não é que ficou muito conhecido. Nunca se elegeu, mas ficou com o seu nome gravado.

No reinício da aula deste dia, fiz questão, em alto ( altíssimo) e bom som, de dizer: meu nome é EDUAAARDO, para espanto da turma, logo depois seguido de uma boa gargalhada.