Ele é nordestino. Paraibano, sim senhor. Tem quase 60 anos. Cabelos brancos, uma barriga de respeito. Trabalha como porteiro do prédio em que resido. Já faz tempo. Sempre presente em suas funções. Delicado, prestativo, adora uma conversinha. Fica muito tempo isolado. Coitado, ao passar pela portaria, encontrando com ele, trato logo de puxar um bate-papo .
Com o correr do tempo, fomos nos tornando próximos. Zé e eu nos damos muito bem. Humilde, Zé mora longe, em outro município. Todo dia é aquela viagem longa, de ida e volta , da casa para o trabalho, do trabalho para casa, lá pelas 10 horas da noite.Quando chove muito, tem de dormir num quartinho da garagem. Não reclama, não costuma reclamar de nada. Carece é de conversinhas. Estas não podem faltar.
Como tanta gente humilde, Zé, o Zé aqui se mostra muito feliz com pequenas coisas. ”Que vontade de chorar”. Já não falo do casamento do filho único ou da viagem à Paraíba, depois de tantos anos, para rever seu pai, com idade bem avançada, em sua primeira viagem de avião., depois de meses de severa economia Quanto medo! Você vai ver , Zé, vai até gostar. Lá foi ele com a mulher Não deu outra. Tive medo dentro dele não, me confessou. Até que gostei.
Falava muito do reencontro com o pai. Parecia uma criança, acolhida nos braços dele. E os irmãos? Sabe , fessô, quanta saudade! É minha gente, minha terra. Aquela comida que a gente não esquece. Aumentou minha barriga. Não faz mal não. Depois ela diminui.
Sempre vivendo intensamente as pequenas coisas. A ansiedade com que esperou ser vacinado contra a CONVID! Contava dia a dia a chegada da data. Na véspera nem dormiu . Cedinho, bem cedinho, já estava no posto de saúde.Ao me encontrar com ele naquele dia, se mostrava radiante, o Zé de volta ao que era: tou vacinado, fessô. Passou o medo de pegar este vírus danado.
Alegria mesmo foi no dia em que o pai completou 100 anos. Coitado, tinha programado de muito ir abraçar o pai. Se aproximava o dia. Decepção enorme: foi aconselhado a não viajar por causa da pandemia. Sabe como é, Zé: avião, o interior da Paraíba, aglomeração na festa para o pai…De início, Zé queria ir de qualquer jeito. Os cem anos do pai. Só lhe restaram, no mesmo dia do aniversário, muitas fotos enviadas logo para o celular dele.Zé não cabia em si de emoção. Mostrava as fotos a todo mundo. Toda colorida a sala da casa, enfeitada com bolas coloridas e corações. O pai erecto, cercado de vários parentes de diversas idades. A mesa a ofertar diferentes guloseimas. A felicidade imperava. O pai, com o seu chapéu, ao centro nas fotos, apertava os olhinhos, para tudo poder apreciar.
Daqui, Zé parecia estar participando da festa espelhada nas fotos. Lágrimas não retidas escorriam pelas suas faces. Lágrimas de incontida emoção. Ah, Zé, convivendo já alguns anos com você, mais e mais me sinto tão bem ao lado de tanta gente humilde que conheci e conheço. Para muitos, como para você, a felicidade está em pequenas vivências, suficientes para ir levando bem a vida: o reconhecimento de ser um bom homem, uma vacina, os 100 anos do pai, um papo descontraído com um morador do prédio.Uma vida de luta sim, mas uma vida em que a felicidade não deixa de se fazer presente em ocorrências corriqueiras, mas sempre sentidas como o usufruir de momentos felizes.Gente humilde. Boa gente o Zé.
Lindo texto, amigo e mestre querido!
Estamos cercados de “Zés” que a todo momento nos permitem constatar o real valor dos episódios simples do cotidiano .
Abraço com todo meu carinho.
Leda.
Bom domingo, Professor…Meu Pai também era um ZÉ…e como dói…
Que bonito o seu comentário, amigo.Um abraço.