É uma  pena não viver

Há uns quatro ou cinco anos mais ou menos assisti pela TV a uma das entrevistas da Nélida Pinõn. Sempre muito simpática, risonha, bem falante, acolhedora, passou o tempo todo às voltas com o seu inseparável Gravetinho Pinõn, o cachorrinho muito amado, a quem iria dedicar mais tarde o seu livro  “Furtivas lágrimas ”.

Excelente expositora, Nélida ia acolhendo as indagações que o jornalista e escritor lhe dirigia . Sobre a vida e a morte. Muito franca, para tudo parecia ter sempre a resposta na ponta da língua.

Por volta dos seus oitenta anos, na época da entrevista, mostrava-se radiante, apesar de todos os embates inevitáveis de uma longa existência, com a vida que ia levando: curtir os amigos, participar das atividades da Academia Brasileira de Letras, de que chegou a ser presidente, usufruir do apartamento em que residia ,  sentir-se correspondida no amor que devotava a Gravetinho, viajar com freqüência, manter lembrança viva de sua família, poder estar, em momentos diversos, com ela mesma…

Nas indagações sobre a morte, a mesma serenidade. Se penso na morte com a minha idade? Como não pensar? respondeu prontamente. Penso todos os dias . Mas nada obsessivo .Fico especulando com quem ficariam algumas coisas: meu cachorrinho, certos pertences do apartamento, aquele quadro, aquele vaso de que gosto tanto…

Não, não me angustia não ter tempo para concluir um livro que esteja escrevendo. Fica o que pude escrever. Encaro isto com naturalidade. Ninguém escapa da morte, não é ? Por isso digo sempre para mim: é preciso saber viver, aproveitar os momentos de alegria, de realização que a vida nos oferece .

De repente, recebo um sopro da intertextualidade. O grande humanista que foi Rubem Alves, teve a sua vida biografada, bem detalhadamente, numa alentada obra. Seu autor, Gonçalo Junior, foi muito feliz na escolha do título de sua longa e acurada pesquisa, de total adequação com o  valor que o biografado tinha pela vida : “ É uma pena não viver”. Creio que Nélida  Pinõn compartilharia com prazer o que este título traduz.

Na verdade , o que mais se lamenta, com a morte, é não poder esta mais com as pessoas amadas, nos lugares de que tantos gostamos,  é ficar ausente das atividades exercidas com prazer e dos momentos de  incontida  alegria.Falo sempre da vida que conhecemos neste planeta, do aqui e agora, seguido de tantos aqui e agora que nos enternecem, que nos apegam à vida, que nos embriagam de luz e felicidade, em que o sofrer fica afastado, ainda que transitoriamente.

Não sei muito bem o que me levou a aproximar Nélida Piñon, ainda tão nesta vida , e Rubem Alves, já falecido, mas para quem viveu também sabendo muito bem que saber viver é preciso, enquanto vida houver.