Há alguns anos, escrevi uma crônica com o nome de “A bengala amorosa”, em que narro a convivência com uma bengala , após a cirurgia de joelho, portador de uma artrose qualificada.Acontece que esta companheira , sempre atenta e gentil, merecedora da minha gratidão, com o passar dos dias , se tornou cheia de si, a se julgar imprescindível.
Eis que chega o dia, complicado, em que tenho de comunicar a esta amiga, amigona, que não sairia mais com ela.Me sentia seguro em meu caminhar.Mesmo lhe dizendo que ela ficaria em meu escritório,onde passo a maior parte dos dias, podendo assim olhar a toda hora para ela, lhe fazer agrados, lhe bateu a maior ciumeira. Desconfiou que eu estivesse com outra, certamente jovenzinha… Depois de lhe jurar que não havia outra , se aquietou .
E vivemos em paz uns bons anos, numa feliz convivência. Cuidava de sua higiene, procurava movimentá-la – a importância da atividade física . Ela, por sua vez, como que se oferecia para me ajudar, se esticando toda, na tentativa de me auxiliar a derrubar um livro, que descansava numa prateleira alta; ao se mostrar compungida quando, rapidamente,percebia que eu estava preocupado, como que me indagando: posso ajudar?
Volte, no entanto, depois de anos, a sair com a minha carinhosa bengala, por problemas na coluna Uma festa para ela. Animadíssima ao voltar em minha companhia à rua. Um tanto até espalhafatosa às vezes. Não seria eu, porém, a censurar a sua felicidade. Em certas ocasiões, me vi obrigado a segurar com força a companheira para não me escapar da mão .
Mas não é que conseguia me deter para ficar de paquera com outras bengalas, numerosas, diga-se de passagem, nas calçadas, ainda que esburacadas, da cidade. Num táxi , portava-se sempre educadamente, recostada no banco, em que ia sentado. Na saída dele, me ajudava a sair, esmerando-se toda. Não deixava de apreciar certas vitrines, vaidosa que era. Quem sabe alguma capinha que lhe coubesse, para os dias de chuva.
Já idoso, ia, no dia a dia, sentindo que, desta vez, não poderia mais prescindir desta companheira nas minhas saídas. Fosse nas minhas andanças sem rumo pelo bairro, nas consultas aos médicos, nos restaurantes, nas salas escuras do cinemas… na vida que passei a levar.Tudo a alegrava, em qualquer saída . Se tornava rueira mesmo. No escritório, parecia que me acenava de vez em quando como a me convidar para sair.
Passamos , cada vez mais, a desejar estarmos juntos em qualquer fugida de casa. Será que, como Drummond , posso dizer que “ Deus me deu um amor no tempo de madureza”?
Ótima. Bom humor pra dar e vender. Quando crescer, quero ser assim.
Obrigado, amigo Creso. Ainda consigo escrevinhar alguns textos.O humor é muitas vezes fundamental em certos contextos. Somos leitores do Millor. Abração.