A busca da Beleza

Todos os dias, no mesmo horário, a mãe  levava o filho para a escola. Andavam rápido. Num desses dias, o filho indaga: -Mãe,  por que andamos sempre tão depressa? Para não chegarmos atrasados ao colégio, respondeu-lhe a mãe. Mas assim não posso ver a beleza das flores. Você tem os domingos para ver. Esta cena me foi narrada por uma amiga. Fiquei cá comigo pensando: a beleza começa a encantar bem cedo.

 Quem sabe se já no sono fetal? Beleza percebida em tempos anteriores à memória consciente. Platão conta que, antes de nascer, a alma contempla todas as coisas belas do universo. Essa experiência foi tão forte que todas as infinitas formas de beleza ficam eternamente gravadas na alma. Ao nascer, esquecemo-nos delas. Mas não as perdemos. A beleza fica em nós, adormecida como um feto. Todos estamos grávidos de beleza, beleza que quer nascer para o mundo qual uma criança. A contemplação das flores. A criança mencionada bem cedo já se mostrou consciente da beleza delas.

 Bem que o sentido da vida, passei a falar  comigo, poderia ser a busca constante da beleza. .Seria difícil? Certamente. Num local tomado pela miséria, ainda que uma árvore se mostre bela e altaneira, ela pode  escapar do nosso olhar. Mas quantas  vezes dá, assim mesmo para admirá-la. A beleza nos envolve, como a se  exibir, para ser mesmo vista e contemplada, sob formas infinitas, a nos surpreender, a nos provocar êxtases vários,  emoções diversas .A vida humana sem a beleza? Ferreira Gullar chegou a afirmar que a arte, uma manifestação sublime da beleza, foi criada porque a vida só não  nos basta.

 No entanto, eis o problema! , nem sempre temos, ou podemos ter, olhos para ela. As asperezas do dia a dia existencial como que nos cegam; numa praça, por exemplo, nos impedindo de admirar desde o sorriso de uma criança  a brincar até uma estátua, em sua majestade, a dominar o local. Vida que tanto nos cega, nos corrói , sufocando-nos com perdas, desilusões, sofreres diversos.

 Perto do Natal, pus-me a lembrar da beleza do nascer, do começar a viver de cada ser, não esquecido do sofrimento do parto, como um tributo a ser pago para a entrada no mundo tão abraçado à beleza. Me sentei no chão bem em frente ao lindo presépio, posto em uma mesa baixinha, que enfeita a minha casa nesta época. Contemplei cada figura, todos (até a vaquinha, o burrinho e o carneirinho)  numa atitude de adoração ao menino Deus , adoração que traduz não só respeito, mas também encantamento pela beleza do que acreditavam estar vivendo ali, naquele momento. Eis a beleza da fé. Passa a pulsar em tantos seres humanos  como num sopro, que nem o amor. O certo é que a beleza, em sua variedade, sempre distinta, mas sempre despertando nos humanos um mesmo sentimento de encanto, vai construindo assim um mundo encantado a nos seduzir.

 A vida, em seu correr, vai  também nos apresentando, mais, ou menos, sabemos, o que não é beleza. O que nos afasta mesmo do que é belo, moldando em nós uma manifestação de repulsa  ao que nos é dado então a  observar: .a ausência da beleza.

 Mundo, vasto mundo, que seria de ti sem a beleza que os deuses oferecem aos homens como dádiva e sem a beleza que os homens oferecem aos deuses como dádiva. Rubem Alves é enfático: “Alma não come pão. Alma come beleza (…) não é raro que os comedores de beleza.se tornem criaturas aladas e desapareçam no azul do céu, onde moram os deuses, os anjos e os pássaros.”