Aula de linguagem

A linguagem, todo mundo sabe, penso eu, é o principal modo de realização de os indivíduos se comunicarem.  Mas não é só isso. É  também forma de conhecer, ou seja, de o sujeito pensante apreender tudo que é passível de conhecimento, que, a rigor, só  ganha existência para os homens quando recebem um nome. As palavras foram inventadas para nomear o mundo. Bonito, não é? Sempre gostei das palavras. Que seria de nós sem elas?

 Uma criança entra no mundo por elas. Quando uma ,bem cedo, pergunta: “que é isso?”( que é a pergunta da filosofia), respondemos com o nome da coisa. Depois ela irá saber que coisa é esse nome. Assim, nomes são coisas que sabemos identificar. Não é simples? Parece… Na verdade, uma noção já de muito menor entendimento dos falantes, mas de enorme importância para  a compreensão ampla do para que serve a linguagem , as suas funções.Portanto, a linguagem não  serve apenas para comunicar, mas também para conhecer.

O ensino da linguagem ( através, no caso,da língua portuguesa)não pode deixar de ser sempre da maior relevância  para a  formação do cidadão.O professor de qualquer disciplina, na verdade , não deixa de ser, em certa medida, professor de língua, pois tem como  missão transmitir alguma espécie de conhecimento, seja de que natureza for, e só é conhecimento humano, no seu sentido pleno,o que se realiza através da linguagem Assim, enquanto forma de conhecer, a atividade verbal vai dando sentido ao mundo para nós.

Aprendendo a ler e a escrever com competência, isto é, com congruência, correção e adequação, os alunos terão condições de melhor exercer a sua sociabilidade e de  manifestar  uma leitura mais crítica do mundo .

Difícil, pois, compreender que tantas vezes o ensino da linguagem se apresente , na avaliação de numerosos estudantes, como monótono, im-produtivo , sempre o mesmo lengua-lengua: classificações e mais classificações, ou a obsessão do erro. Aula de Português é tão chata!,  se ouve sim por aí. Professor de Português, não é por nada não, só sabe apontar erros  , comentam muitos.

Um comentário talvez não muito comum, parece , dirigido a um aluno: gostei da narrativa de seu texto, mesmo com uma ou outra palavra mal empregada.Tente contar outras histórias curtas. Não deixe de reler e tresler  o texto que escreveu.  Este professor não segue um caminho mais incentivador, certamente mais proveitoso aos estudantes? Afinal, a linguagem é uma atividade,não esqueçamos, devendo como tal ser sempre exercitada. Se não for, não se vai tomar gosto por ela, restará uma atividade trôpega, atrofiada, como, infelizmente, se vê em tantos alunos: leituras sem alcançar o sentido do texto, este por sua vez mal-estruturado, com frases desconexas, repetições desnecessárias, inadequações habituais.

Na verdade, nunca esquecer que o desmotivador ensino escolar, entre nós, de todas as disciplinas, está submetido historicamente a adversas condições, desde o sofrível panorama socio-econômico do país, desde as suas enormes desigualdades culturais, até à deficiente formação geral dos nossos professores. Daí a massa considerável de analfabetos com que sempre contamos, e o precário incentivo, em geral, na escola para uma prática produtiva da leitura e da produção de textos .

A gramática não deve ser esquecida não, pois ela está presente na mais simples manchete de um jornal. Contanto que não seja orientada por um enfoque muito enraizado entre nós, na base quase somente de classificações e prescrições/ proscrições. A gramática deve ser tomada  como um meio, um meio para  atingir um fim  .Este fim evidentemente é tornar os alunos bons leitores e produtores textuais, a fim de prepará-los ao exercício de uma cidadania mais plena e consciente.

Ressaltamos, e deve ser ressaltado sempre, que a linguagem é uma atividade, e atividade livre, por isso criadora. Esta noção parece essencial para nortear em outras bases o ensino da linguagem. A atividade linguística criadora não se limita ao comportamento original, à inspiração e ao desvio do que é mais usual. Quando Drummond , em conhecida passagem da sua obra poética,diz sobre as palavras: “ Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo”, está atribuindo a “salvar” e “ desmoralizadas” um sentido novo: evitar o  consumo automático, o  desgaste das palavras.

 Mas a criatividade linguística não se manifesta apenas na linguagem literária, onde o como de diz é fundamental na sua caracterização. Não deixa também de haver criatividade no esforço do falante ao se comunicar com os outros,  garantindo o exercício significativo da linguagem, como numa frase , dirigida a um garçom, em dada situação,  “ Me  traz mais uma garrafa de cerveja?”, enunciado eleito entre outros possíveis. Perfeitamente adequado a certo contexto social.Por isso,há também aqui marcas de criatividade, ainda que não se possa falar em linguagem literária.A criatividade não se concentra apenas no significante , mas na relação entre significante e significado, como se dá na passagem poética citada  de Drummond. De sorte que deve o professor trabalhar fundamentalmente com a noção de ser a linguagem uma atividade livre e, assim, criadora, e não como um código de impedimentos.

 Naturalmente que a liberdade linguística não é  absoluta, pois cada língua por que ela se manifesta é um objeto histórico. A própria liberdade do homem tem seus limites, pois ele também  vive e convive como um ser histórico.