Certo tempo depois de me aposentar, acertei comigo que faria uma leitura sistemática de romancistas, contistas, poetas e cronistas brasileiros. Sempre preferi viajar pelo Brasil, com poucas incursões para fora dos nossos limites, tanto no mundo geográfico, quanto no literário. Coisa minha. Estarei nela sozinho? Encontros e mais encontros com a nossa terra, a nossa gente, a nossa cultura.
Tendo optado por lecionar Linguística na universidade , tive , no universo bibliográfico, de mergulhar, e mergulhar mesmo, na leitura de livros e artigos sobre a chamada ciência da linguagem. Passam-se anos e anos, e eu voltado quase inteiramente para a leitura dos linguistas , os daqui e os de fora.Mais os de fora, afinal, a Linguística era uma ciência nova entre nós.
Às vezes me cobrava: meu Deus ainda não li tal ou qual livro! Preciso ler Fulano e Sicrano. Me sentia bem incomodado . Uma ou outra fugida para um romance ou para alguns poemas. Ah, a poesia! Como viver sem ela?Chegava a me culpar por estas leituras desviantes . O que me garantia algum lastro de cultura literária eram as obras que frequentei antes de me considerar, enfim, um professor de Linguística. Mas a Literatura, a partir mormente do curso universitário, sempre me atraiu.
Não tracei nenhum plano rigoroso de leituras para o período pós- aposentadoria. Na verdade, não deixou de haver algum planejamento. Optei por um elenco de obras não lidas e também por outras a serem relidas, de que me ficara uma boa lembrança. Com a terrível pandemia ( e lá se vão 70 dias ! ) passei a dispor de muito mais tempo.
Começando pelos prosadores, recordo que li ou reli Manuel Antônio de Almeida, Aluísio de Azevedo, Adolfo Caminha, os três romances fundamentais de Machado e o seu Várias Histórias, livro de contos , para penetrar então no século XX. Fiquei com os autores de que gostava ou que não queria deixar de ler: Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, José Lins do Rego,Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Ciro dos Anjos,João Ubaldo, Caio F. Abreu, Rubem Fonseca, Sérgio Santana, as crônicas de Fernando Sabino, Cecília Meireles , João Ubaldo , Antônio Prata.
Ressalte-se que, no tocante a Mário de Andrade, atraiu-me muito a sua vasta correspondência, parte importante de sua obra. Leitor, penso, maduro, me deliciei muito mais com as obras do Bruxo do Cosme Velho. Mas, com isso, não estou fazendo pouco das leituras do jovem universitário. Aprendi que não há a leitura, mas leituras. Para cada leitor, o que vale é a sua leitura, feita em certo momento.
Mergulhei também nos poetas. Como deixá-los de fora? Sobretudo quando comecei a encontrar a chave para a apreensão da mensagem poética de muitos poemas. Diria que continuaram a me sensibilizar os versos de Álvares de Azevedo, do Bandeira e do Drummond,do Vinícius, do Ferreira Gullar.Ah, sem poder esquecer: a lírica camoniana.
Sei que sou leitor menor, pois não cheguei a alcançar uma vivência literária que me satisfizesse. Muitos autores de prestígio , não posso negar, não foram lidos por mim, apenas alguns poemas deste ou daquele autor,um ou outro conto de certo escritor.
Mas o essencial aqui é registrar o meu forte desejo de, com mais tempo e com uma vida menos corrida, me ter dado conta de que o meu lastro literário era restrito, mormente para alguém que passou a sua vida de professor universitário lidando sempre com o mundo maravilhoso da linguagem. Afinal, é na linguagem literária que vamos encontrar a plena funcionalidade da atividade lingüística, até as mais inusitadas formas de dizer, o inesperado, enfim. Através dela é que descobrimos outros mundos criados pelo intento estético dos escritores.
Muito importante para mim as minhas mais recentes incursões no campo das obras literárias. Sei que ainda sou um leitor menor. Não me refiro ao número de livros lidos, porém ao conhecimento mais aprofundado do e sobre o universo literário . Mas menos descontente. E confiante no tempo de que ainda poderei talvez dispor para conhecer, por exemplo, alguns dos autores mais recentes.
Deixei a Linguística de lado? Impossível. Afinal, paixão da vida inteira.