Toca o telefone . É do cemitério São João Batista.Estou bem. A funcionária riu . Vem sendo ele administrado atualmente por uma empresa, A PAX. Precisava ir ao seu escritório para preencher uns papéis. Estava reivindicando transferir para o meu nome a titularidade de um jazigo pertencente à família. Agora era necessário cada jazigo ter um titular. Honra-me sobremodo ser Professor Titular de uma universidade pública. Mas titular de um jazigo ? Menos, menos…
Nos encontramos em plena pandemia, exclamei. E sou de alto risco . Eu sei , eu sei, me passou a funcionária .Aqui está tudo higienizado , só entra uma pessoa por vez. Pode vir com toda a calma .Como era um problema que estava se alongando muito tempo e querendo, enfim, assumir a tal titularidade ( afinal, que vexame, se ter um jazigo sem titular), resolvi pegar um táxi e dar um pulo até lá . Corrida de dez minutos.
Chegando ao cemitério, ultrapassei o seu largo e alto portão, e me deparei com poucas pessoas. A maioria, funcionários. Antes de subir os dois degraus para entrar no escritório, se apresenta célere um funcionário, todo delicadeza, com mais de um crachá ao peito. Bom dia, o que o senhor quer? Expliquei a ele em poucas palavras. Por favor, fique aqui, pois vou pegar as folhas para o senhor assinar.
Em dois minutos, eis o jovem rapaz de volta. O senhor pode se sentar naquela mesa e assinar os papéis ali mesmo. Muito bom, respondi. Os papéis vieram com uma caneta. Me sentei tranquilamente. Fiquei de início a observar o que via. Perto começava a fileira de mausoléus. Mas muitas árvores, flores e plantas tornavam o local aprazível mesmo. As folhas das árvores dançavam com uma brisa gostosa. Quem diria, em plena pandemia. Aqui parece que o danado do vírus não invade. Também é um campo santo. As pessoas já estão em outra vida. Ele não ousaria.
Por que pressa? Afinal, eu era , ou estava para ser, titular de um jazigo. Naquela manhã quente, aquela brisa me acalentava.Queria aproveitar mais todo aquele conforto e mordomia. O senhor está com dificuldade de preencher os papéis? Posso ajudá-lo? Não, obrigado, vou preenchê-los. Estava apenas usufruindo da calma deste local. Fique à vontade.
Fui preenchendo os espaços em branco dos papéis com vagar. Quando acabei, chamei o funcionário. Pronto. Vou ao escritório levar os papéis e trazer ao senhor o comprovante. Foi e voltou num passo com o recibo. Daqui a uns dias chegará seu diploma de titular do jazigo.Será um prazer receber o senhor de novo. Diploma. Não esperava receber outro na vida. Também só poderia ser este: Titular do jazigo número tal.
E o funcionário baixinho: se quiser ficar um pouco mais ali sentado, não tem problema. Aqui é mesmo muito calmo. Obrigado, amigo. Um dia chegará em que terei todo o meu tempo.