Sempre me bateu o desejo de tocar um instrumento musical : piano, violino, cavaquinho… O tempo passou, e o desejo não se concretizou. Uma frustração só. Nunca arranjava uma brecha entre os meus compromissos profissionais. Sabe como é. Vai se protelando, entra a senhora preguiça certo retraimento ante uma nova experiência, e tantas outras desculpas esfarrapadas… O tempo não perdoa, o deus Cronos é atentíssimo. Parece que esquecemos da sua onipresença. Ele não nos larga um só instante.
De uns bons anos para cá, o cavaquinho é o instrumento que mais me encanta. Talvez porque gosto muito de chorinho. Cheguei a acumular não sei quantos CDs deste ritmo gostoso. E o cavaquinho nele se faz sempre presente. Pixinguinha, Altamiro Carrilho, Noel Rosa, Valdir Azevedo , entre tantos outros nomes, se tornaram familiares a mim. Conheço gente moça , sim ainda bem moça, fã deste gênero musical, gente que se reúne para formar conjuntos dedicados ao chorinho.
Mas não é o chorinho, ou só sobre o chorinho, que quero conversar aqui. Depois que me aposentei, comecei a sentir que o meu carro ia ficando quase sem utilidade para mim. Para ir ao meu cineminha, me consultar com um médico, me encontrar com um amigo, encontrar a vaga para estacionar o meu carro, que dificuldade !. Com hora marcada, meu nervosismo crescia com o passar do tempo, e nada de vaga.
Houve uma vez que voltei para casa rapidinho para deixar o carro na minha garagem e tomar um táxi de imediato para, atrasado, chegar ao médico. Trânsito difícil, os tais pardais (não bastassem os pardais , com seus voos rasteiros, a me assustarem), multas pesadas…Epa! Para que continuar com o carro na garagem? Tratei de vendê-lo e, com a quantia recebida, decidi só andar de táxi! Luxo, qual nada! Mais barato e muito menos estressante do que ficar querendo bancar um ás do volante por aí.
O que eu não sabia é que começariam então minhas conversinhas com alguns dos motoristas dos táxis que ia pegando nas ruas. Numa época de poucos papos,, seja lembrado. Mas o último deles foi surpreendente. Ao tomar o carro, me sentei ao lado dele. De imediato, percebi que ele levava ao colo um instrumento musical. Olhei bem espantado. Ele foi logo dizendo que era um cavaquinho. Tudo bem., eu sei. Mas antes de lhe indagar como iria dirigir, tratou de colocar sem nenhuma cerimônia o instrumento no meu colo. Se não fosse um cavaquinho, talvez tivesse reagido. Porém era um cavaquinho! Enfim, tomado pela surpresa,, ia segurando ao longo da corrida, um cavaquinho.Com todo o cuidado, como se fosse um bebê.Gostava tanto dele! Sem ousar tocar em suas cordas.
O motorista, bem à vontade (põe bem à vontade nisto) me pergunta se gosto de chorinho. Nossa, comecei a pensar: que encontro! Nos sinais, no trânsito emperrado , não é que ele me tomava o instrumento, se punha a dedilhá-lo e, mais! a cantar chorinhos bem conhecidos meus. Boa voz ainda por cima. A certa altura, não aguentei, sabe? Saltei também uns versos. Por que não?Vidros do carro fechados. Ninguém a me ouvir. (( Meu coração não sei por que/ Bate feliz quando te vê/ E os meus olhos ficam sorrindo/ E pelas ruas vão te seguir/ Mas mesmo assim/ Foges de mim”) Sempre emocionado ouço o Carinhoso. Seu nome me cativa.
Assim, ao longo do trajeto, formamos um dueto, mesmo quando ele não podia dedilhar o cavaquinho, pousado em meu colo. Pensei: como vivemos encontros de todo inesperados! Insistiu para que eu aprendesse cavaquinho.. Tarde, respondi. Nunca é tarde. Amigo, repliquei eu, agora só ouvindo os meus CDs.
O motorista, me confidenciou, sai de casa todo dia com o cavaquinho com ele. Me pareceu até pouco preocupado com o relógio do carro. Para ele, a vida é tocar cavaquinho..O nome dele? José da Silva Cavaquinho. Pode me chamar de Cavaquinho. É assim que todo mundo me chama, disse orgulhoso.